Florestas: mudança da gestão dos fundos europeus para o Ambiente divide o sector
2020-09-28

Está longe de ser consensual. CAP e CNA e dois ex-secretários de Estado dizem que “não faz sentido” que a gestão dos novos fundos europeus para as florestas, até aqui na tutela da Agricultura, passe para o Ambiente. A Forestis e a associação ambientalista Zero, essas, estão de acordo. Ministra da Agricultura não quer comentar.

“Quem dera, ou talvez não, que as coisas fossem assim tão simples.” Este é o primeiro comentário do ex-secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural, Francisco Gomes da Silva, referindo-se à intenção manifestada pelo actual titular da pasta das Florestas, João Catarino, quando afirmou, em entrevista ao PÚBLICO, que via “com bons olhos” a gestão dos fundos europeus destinados ao sector passar da tutela da Agricultura para o Ambiente, através de “um papel mais activo” do ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.

Francisco Gomes da Silva diz que João Catarino teve “esta liberdade de linguagem” levado “certamente pelo entusiasmo”, já que o PDR [Programa de Desenvolvimento Rural – PDR 2020], que está sob tutela do Ministério da Agricultura, “é financiado pelo FEADER [Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural] e pelo Orçamento de Estado”. E é “o próprio regulamento do FEADER que estabelece a necessidade de existir uma Unidade de Gestão por cada Estado-membro”, à qual cabe “zelar pela gestão e implementação dos respectivos Programas de Desenvolvimento Rural”.

“Não faz, por isso, qualquer sentido falar na ‘transferência da gestão dos fundos europeus do sector das Florestas para o Ministério do Ambiente através do ICNF’ ou outro qualquer organismo”, diz Gomes da Silva ao PÚBLICO.

O ex-governante, actual director-geral da consultora Agroges e docente do Instituto Superior de Agronomia (Lisboa) até concorda que o ICNF – “admitindo que ele é, ainda, a Autoridade Florestal Nacional” – deva ter um papel mais activo no desenho das medidas florestais do PDR. “É claro que estou de acordo.”

Aliás, diz, “nada impede que o ICNF, devidamente instruído pelo senhor secretário de Estado das Florestas, interaja com o GPP [Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral, tutelado pelo Ministério da Agricultura], a quem está acometida a competência de desenhar o futuro PDR inserido no PEPAC [Plano Estratégico da PAC], no sentido de ver plasmado nas medidas florestais aquilo que sejam as opções do Governo nessa matéria. Acho, aliás, que é muito natural que assim seja.” Como é “igualmente natural que o Ministério do Ambiente, através do secretário de Estado das Florestas, queira um maior quinhão do pacote financeiro do futuro PDR afecto às florestas.”

“Disputa pelo controlo dos instrumentos financeiros”

No entanto, uma coisa é o Ministério tutelado por João Pedro Matos Fernandes querer isso – e Francisco Gomes da Silva acha “evidente que o vai conseguir” –, coisa “diferente é [ser o Ministério do Ambiente através do ICNF a] gerir os fundos” do novo Quadro Comunitário de Apoio (QCA 2021-2027) para a floresta.

Porém, ainda que não “estranhe” vir a ver “o senhor ministro do Ambiente a reivindicar a ‘co-tutela’ da futura Autoridade de Gestão do futuro PDR”, questiona-se se vamos ver “os ministérios da Agricultura e do Ambiente a terem a tutela conjunta dessa Autoridade de Gestão”.

Isso será bom? “Para a gestão dos fundos, certamente que não. Para a floresta, o que quer que isso signifique na visão do actual Governo, seria obviamente um passo mais na ocupação do espaço dos instrumentos de política disponíveis”, diz o ex-secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural. E deixa um alerta: “Nada de bom resultará para a floresta, para a agricultura e para o território se esta disputa pelo controlo dos instrumentos financeiros prosseguir na senda indicada pelo senhor secretário de Estado na sua entrevista ao PÚBLICO.”

“Pode haver conflitos de interesse”, avisa Amândio Torres

Se esta discordância de Francisco Gomes da Silva de João Catarino pode parecer de índole partidária – o primeiro integrou um governo PSD-CDS e o segundo integra um governo socialista –, também dentro do rol de ex-governantes do Partido Socialista há divergências quanto à tutela das florestas e quanto à tutela da gestão dos respectivos fundos europeus.

Ao PÚBLICO, Amândio Torres, ex-secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural do ministro Capoulas Santos (PS) até 2018, também não está inteiramente de acordo com o pensamento de João Catarino.

Começa por dizer que, “face à orgânica do XXII Governo, que passou a tutela do sector florestal para o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, é lógico e racional em termos de aplicação de apoios financeiros que a orientação deva caber à respectiva tutela”.

Avisa, no entanto, que, “não sendo ainda perceptível a fórmula que irá ser adoptada para a governança do futuro QCA 21-27, surge a questão [de saber] se, ao envolver o ICNF nesse processo, e sendo esta entidade uma real e potencial utilizadora dos fundos comunitários (nas matas nacionais e nas áreas de baldio das assembleias de compartes), [não] poderemos estar a colidir com o princípio geral da segregação das funções de gestão e da prevenção de conflitos de interesse, que determina a subordinação do modelo de gestão ao primado da separação rigorosa de funções de análise e decisão, pagamento, certificação e auditoria e controlo”.

Uma Autoridade de Gestão para um Programa Operacional temático

O ex-governante socialista está até convencido de que “este princípio [da segregação das funções de gestão e da prevenção de conflitos de interesse] não será alterado no desenho da governação do próximo Quadro 21-27”. O que o “leva a pensar que o problema pode ser contornado se houver uma decisão política que passe as atribuições actuais do ICNF na gestão dos espaços florestais de direito privado do Estado e das áreas baldias que ainda se encontram em co-gestão com o Estado, para a empresa pública Florestgal, criada em 2018”.

Esta entidade tem como objectivos o “planeamento, promoção e desenvolvimento de projetos no âmbito das atividades florestal e silvopastoril” e o seu “modelo foi promovido em 1997/99” pelo então ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas Fernando Gomes da Silva (de 1995 a 1998, no governo de António Guterres), com a criação de uma empresa pública florestal (ENGEF). Uma solução que, diz Amândio Torres, foi “rejeitada” através de “um parecer do Conselho Económico e Social”, por nela estar “prevista a alienação do património florestal do Estado, a favor da empresa pública”.

Já no tocante à gestão [do novo PDR 2020] e face à “grande importância que recorrentemente o Governo dá ao papel da floresta e espaços florestais na economia, ambiente e no processo de descarbonização”, o ex-governante propõe:

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